Violência entre organizadas afasta torcedor dos estádios

Em 1979, embalado pela recém-lançada “Domingo eu vou ao Maracanã”, de Neguinho da Beija-Flor, o Campeonato Carioca teve a sua segunda melhor média de público, de acordo com dados do jornal Lance: 25.156 torcedores. Em 2017, a média foi de apenas 4.323 pagantes, de acordo com o Globoesporte.com. A escassez pode ser explicada, em parte, pela violência.

Desembargador Mauro Martins acredita que muitas pessoas deixaram de frequentar os jogos a partir do momento em que as organizadas começaram a cometer crimes (Foto: Felipe Cardoso / TJRJ)

O presidente da Comissão Judiciária de Articulação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais em Eventos Esportivos, Culturais e Grandes Eventos (Cejesp) do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Mauro Martins, acredita que muitas pessoas deixaram de frequentar os estádios a partir do momento em que as torcidas organizadas começaram a cometer crimes, o que resultou, inclusive, em penas coletivas e individuais para seus integrantes.
Em 2017, mais de 500 torcedores de Botafogo, Flamengo, Fluminense, Vasco, Macaé e Corinthians foram afastados por decisões judiciais em processos por práticas de violência, associação criminosa, injúria racial e descumprimentos de medidas judiciais, entre outras penalidades. As torcidas organizadas Jovem Fla, Força Jovem do Vasco, Fúria Jovem do Botafogo e as corintianas Gaviões da Fiel, Coringão Chopp, Camisa 12 e Torcida Pavilhão Nove também estão impedidas de ingressar os estádios.
Desde 2003, o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do TJRJ atua nos estádios do Rio para garantir a segurança e o conforto dos torcedores nas partidas. O desembargador afirma que o Juizado tem discutido permanentemente soluções de paz com os clubes, instituições e outros órgãos públicos e que a atuação do Poder Judiciário tem atraído, de forma gradual, torcedores que querem apenas fazer festa e torcer por seus times aos estádios.

>> Como avalia a atuação do Juizado do Torcedor nesse ano?

– O trabalho foi extremamente positivo. O Juizado do Torcedor possui destacada atuação, não somente através de sua atuação como órgão jurisdicional tradicional, como também por sua proatividade a atuação externa nos Grandes Eventos que ocorrem na cidade, prevenindo os conflitos e dando tranquilidade para todos que comparecem. A existência de um Juiz permanentemente e a imediata resolução da questão são características da atuação do Juizado do Torcedor. Aludida atuação vem sendo aprimorada ano após ano. Verifica-se a importância do Juizado do Torcedor no ambiente esportivo, por conta da atuação nefasta das torcidas organizadas, gerando intranquilidade e insegurança para os torcedores/consumidores.

>> Como é a relação da Justiça com os clubes e federações?

– A Justiça sempre procura estreitar esses vínculos e conscientizar os dirigentes da importância de que certas práticas usuais no futebol devem ser abolidas. Essas recentes operações ocorridas no seio das torcidas organizadas e dos clubes evidencia a necessidade de repelir essa relação. Essa relação fomenta a violência e afasta dos estádios os torcedores que querem ir com as famílias, mas não se sentem seguros e estimulados a comparecer nos estádios. Elas têm uma motivação financeira, e essa motivação decorre, em grande parte, do vínculo estreito com os clubes, que deve ser rompido.

>> Torcida única é solução?

– Nunca se cogitou a torcida única como solução para o problema da violência. Ao contrário, pois os conflitos ocorrem em grande escala fora dos estádios, e não dentro. De modo que gerou à época uma perplexidade a ideia da torcida única. Foi uma ideia pontualmente trazida num momento em que o Estado se encontrava em estado de calamidade pública, todos os serviços públicos estavam comprometidos. Esse problema, associado ao fato das semifinais do Campeonato Carioca acontecerem num sábado de Carnaval, quando a Polícia Militar deveria se desdobrar entre praias, blocos, Sambódromo e estádio de futebol, fez com que viesse a ideia da torcida única. A ideia não é original, porque já foi implantada em vários estados da federação. É algo antipático, que compromete a beleza do espetáculo porque culturalmente o Rio está acostumado a ver ambas as torcidas. Mas naquele momento, o Ministério Público pediu e o Juizado proferiu uma decisão favorável.

>> Fim das Torcidas Organizadas

– Nós não podemos generalizar a atuação das torcidas organizadas. Elas tiveram papel importante até a década de 80, levando alegria, animação e motivação para os times, incentivando os demais torcedores a participar do evento. Mas o que antes era algo amador, com o passar do tempo se tornou profissional. Pessoas passaram a viver daquilo, se tornaram profissionais e isso trouxe um viés ruim de associação à violência e práticas ilícitas, como cambismo. As pessoas de bem das organizadas foram se afastando e dando lugar a pessoas mal intencionadas, com interesses escusos. Mas temos de separar o joio do trigo, pois a torcida organizada genuína deve ser mantida porque é importante, e a que é voltada para práticas ilícitas deve ser banida. Hoje tem grupos de torcida que fazem questão de se manterem desorganizadas, eles se aglutinam num espaço definido do estádio, e crescem jogo após jogo, porque as pessoas que somente querem torcer gostam de estar ali e de participar da festa. Considero algo que deva ser fomentado.

>> Estatuto do Torcedor

– É um estatuto moderno, que municia de instrumentos eficazes o julgador e protege o torcedor. O importante não é modificar a legislação e, sim, dar efetividade às suas normas. O que se busca hoje é melhorar a estrutura do Juizado e da Polícia, uma forma concreta de fiscalizar o cumprimento de decisões judicias que afastam torcedores dos estádios, e isso depende de uma estrutura que custa dinheiro e de um investimento do executivo estadual nas suas polícias. Mas no momento é difícil pensar em investimento nessa e em qualquer área por causa da crise financeira. A crise influencia negativamente no cumprimento do estatuto, no cumprimento da lei e no cumprimento das decisões judiciais. A crise redunda num cenário ruim nesse aspecto. O torcedor que é afastado tem ciência de que a fiscalização está longe do ideal e não há nenhum controle na entrada para impedir seu ingresso ao estádio. Isso também depende de um investimento de clubes e entidades que organizam os campeonatos para criar um mecanismo de identificação para o interior do estádio que bloqueie a entrada do torcedor afastado.

>> Biometria como prevenção

– Na Copa das Confederações deste ano, na Rússia, já havia mecanismo de controle no acesso ao interior dos estádios. O sujeito não entra no estádio só com o ingresso, que é algo obsoleto e vai contra os princípios mais básicos de segurança pública. É preciso ter o mínimo de identificação. Isso já acontece nos estádios do Atlético Paranaense e do Internacional. O que se propõe no Rio é que se inicie com as torcidas organizadas e vá se fazendo de forma gradual, por causa dos investimentos, até se estender a todos os torcedores.

Agência Papo Esportivo
Edição: Jota Carvalho

Foto/Topo: Montagem da Internet
Fonte: TJRJ

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